AVISO: A informação disponibilizada neste site tem como data de referência o ano 2002 e pode encontrar-se desactualizada.


[A poça onde nasce a água mineral  (foto LeonorAreal)]

 

Época termal
É sobretudo frequentada no mês Agosto, chegando a juntar-se cerca de 50 aquistas.

Indicações

Reumatismo e doenças de pele

Tratamentos/ caracterização de utentes

Os tratamentos são por banhos, tomados no local, ou por aplicação das lamas aquecidas.
"Os banhos praticamente são só de manhã, às 6h00 começam a aquecer a água. Os mais antigos, os velhotes, começavam a aquecer a água às 5 e meia da manhã, é mais ou menos 20 minutos o tempo de aquecer a água. O tempo do banho é sempre o mesmo, eu para mim dou-me melhor com a água mais quente que morna, mas ela dá-se melhor com a morna, por causa dos ossos." (aquista acampada)
A argila que se encontra no fundo da poça onde emerge a água é aplicada sobretudo em dores musculares, mas já houve tempos em que era também utilizada na cura de doenças cutâneas. Recolhemos um testemunho em que foi relatado o tratamento de um leproso: "Esteve ai um senhor que tinha aquela doença da «lerpa», caía-lhe a carne assim aos bocados, como a água era mais leve, ele ia lá ao buraco e barrava-se todo, punha-se ao ar e ao fim de 5 dias estava curado, barrava-se com argila. Na nossa língua aquilo é lerpa, é aquela doença que cai a carne aos pedaços, fica aquela bolha e a carne vai apodrecendo. Ele veio para cá só por isso. Comigo esteve cá aquele ano, mas penso que veio vários anos."
A procura da argila para doenças de pele já é rara, mas houve tempos em que "havia pessoas que iam para ali de cuecas e enchiam-se de lama até à cabeça, ficavam ali sentadas mais de meia hora até aquilo secar."
A preparação desta argila foi descrita por um dos aquistas: "O barro tem de ser apropriado com esta água, não com outra água, o barro abrandece dentro de uma tigela, e onde tiver umas feridas, ou outra coisa, põe o barro e deixa secar, depois é que tira fora."
Mas como o que “faz bem por fora, também faz bem por dentro”, esta água também é ingerida para males de fígado ou simplesmente porque "é boa para tudo, para os intestinos para tudo. Ajuda a digestão e é boa para limpar".

Quanto aos frequentadores, são naturais da região, dos concelhos de Serpa, Moura e Beja, mas na sua maioria moradores nas regiões suburbana de Lisboa.

 

Instalações/ património construído e ambiental

Passado o portão que dá acesso à Herdade de Barros e Ferradura, num suave declive de pasto à sombra de azinheiras, encontra-se a Poça da Ferradura. Trata-se de uma escavação no solo em forma de ferradura, com um arco de 12 m de diâmetro. O nível da água é de dois metros abaixo do solo, e emerge em vários locais da poça: "As nascentes são três ali [aponta o lado do "arco" da ferradura], uma ali a meio, e este ano apareceu outra deste lado. Se não tirarmos a água ela não sobe até cá acima, vai sempre escoando, não sai para fora." (aquista acampado)
No fundo da poça deposita-se a argila utilizada em dores musculares: "Parece manteiga, é uma argila gordurosa. Aquilo é fazer a bola e atirar ao ar e fica agarrado."

Em 2004 foi construído um muro baixo de protecção em volta da poça, ao lado do qual se encontra uma casa pré-fabricada em madeira, que o proprietário aqui mandou montar, não se percebendo ainda qual a sua função: "Aquilo foi o sr. engenheiro, o dono, não sabemos ainda qual é o fundamento daquela casinha, e tem ali outra meia começada. Não sabemos qual é a ideia dele porque ele ainda não nos explicou. A ver para o ano se aquilo dá alguma coisa? A luz, diz que para o ano vai até ao portão, e que nos deixa uma caixa, para a gente puxar para ali, para um motor." (aquista acampado)

 

Natureza

Bicarbonatada sódica    

 

Alvará de concessão

Nunca foi concessionada

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Historial

A única notícia que temos desta nascente foi publicada no relatório de inspecção de Acciaiuoli (1947): “A pouco mais de três quilómetros da Vila Verde de Ficalho, na herdade da Ferradura, brotam as nascentes de águas minerais que tomaram aquele nome. Têm sido aplicadas no tratamento dos reumatismos e nas doenças de pele, sendo procuradas por gente humilde e de fracas posses, que se instala em barracas feitas de mato e raramente aparece uma de lona. O sistema é bastante primitivo, sendo a água transportada em vasilhas do poço onde nasce para as banheiras."
Juntamente com este texto aparece uma fotografia da nascente onde se vê um grande buraco em terreno saibroso, o que leva a concluir que os muros de sustentação em pedra seca que agora existem são posteriores a essa data. Uma das aquistas acampadas em redor da nascente referiu essa mudança e uma outra feita recentemente: "Antigamente quando isto começou, o buraco era diferente, não tinha aquelas pedras [muro de consolidação na zona do arco da “ferradura”] depois com uma enxada ia-se fazendo uma caleirazinha, para descer até ao fundo, e íamos lá em baixo encher. Depois fizeram aquele muro em pedra e agora aquele de tijolo à volta. "
Fizemos duas visitas ao local, a primeira fora da estação balnear e uma segunda com os aquistas acampados em volta da nascente da Ferradura.
Na primeira visita parámos num café em Sobral da Adiça para pedir informações sobre a localização da nascente, e o proprietário, homem de uns 70 anos, lembrava-se de outros tempos em que via passar os aquistas pela aldeia a caminho dos Banhos da Ferradura: "Dantes passavam aqui muitas carroças carregadas, de gente e seus afazeres, vinham de Santo Aleixo e de outros locais mais afastados, atrás na carroça ia sempre a banheira, ficavam por lá 15 dias ou mais acampados em barracas que construíam com paus e mantas."
Na zona da nascente contactámos com a proprietária do Monte do Pé da Serra, vizinha da Herdade da Ferradura e Barros, onde se localiza a nascente e com o encarregado dessa herdade. A proprietária, Maria Florinda Alves, é uma activa agricultora que aqui se instalou há alguns anos: "Quando vim para cá não conhecia isto e fazia grandes passeios, e víamos sempre muita gente em volta do buraco. Depois conheci uma senhora, que vem cá todos os anos, vive para os lados do Porto, que diz que foi nestas águas que o filho se curou, o miúdo estava quase corcunda, doente dos ossos e curou-se." Quando questionada se alguma vez tinha feito banhos, respondeu-nos: "Eu nunca fiz banhos, mas já lá fui buscar barro, fiquei debaixo de uma alfaia agrícola, com braços e pernas doridas, estive 4 ou 5 dias sem me mexer. Foi uma vizinha que mora aqui há 17 anos que me recomendou, fomos lá buscar barro, aqueci-o e apliquei sobre os tornozelos que estavam muito inchados, ao fim de 3 dias já estava boa. Não precisei de tomar medicamentos, só o barro quente curou-me."
Esta senhora propõe que a junta de freguesia construa no local “bungalows” para instalar os aquistas, lamentando que a nascente não se localize dentro da sua propriedade: "Eu tenho pena que a água não seja aqui no Monte, já tinha feito alguma coisa por essa gente, eu gosto de contactar com as pessoas, sentir culturas diferentes. Isto poderia ser um centro termal como há muitos no país, as águas não vêm quentes como noutras, mas é muito boa."
O encarregado da Herdade da Ferradura e Barros informou-nos que há procura da água durante quase todo o ano, mas que actualmente o acampamento em volta da nascente se limita a um mês no ano: "Agora vêm mais em Agosto, combinaram entre eles fazer a concentração nessa altura, são há volta de 50 ou mais. Eu deixo sempre o portão aberto, as pessoas têm direito a usar a água e o proprietário também concorda."
Na segunda visita tínhamos como objectivo contactar com os aquistas que acampam em volta da nascente. Nesse dia encontravam-se cinco grupos familiares, num total de 19 pessoas, dos quais três crianças, sendo os restantes todos adultos e de idades superiores a 60 anos.
A grande mudança do local, em relação à visita do ano anterior, fora a construção de um muro em tijolo à volta da nascente ou poça, obra de que se encarregou o proprietário da herdade. Sobre o novo proprietário e a sua receptividade ao acampamento, os elogios dos aquistas foram unânimes: "A herdade foi vendida aqui há uns anos, e estes patrões são melhores que os outros. O outro também não era mau, mas deixava os animais todos aqui à solta, até porcos andavam aqui, este não, tem os animais todos presos, e as árvores não as corta para termos sombra, este patrão tem sido bom. Este patrão gosta de ver as pessoas aqui, mesmo só semeia quando o pessoal não está cá, quando chegamos já está tudo limpo, se fosse outro qualquer semeava a terra e não se importava."
Mas a frequência já não é o que era “noutros tempos”, que os aquistas localizam antes do 25 de Abril, quando tudo em redor ficava cheio de barracas improvisadas. Havia mesmo uma venda onde se comprava víveres, tabaco e vinho e inevitavelmente os bailaricos improvisados aconteciam: "Na altura em que éramos novos é que vinha esta enchente aqui, já lá vão para cima de 40 anos ou mesmo 50. Não havia automóveis, as pessoas vinham em carros de bestas. Nem havia destas tendas, eram barracas feitas em junco e sacas, ceifavam por aí o junco e depois com as sacas da azeitona faziam as barracas. Enchiam os bidões de água, não havia banheiras nem nada, mas como o buraco não dava tanta água, com a mesma água chegavam a dar banho duas ou três vezes. Havia muita gente e água não dava para todos. Vinha muita gente, depois à noite eram uns grandes bailes."
O grupo familiar do sr. António é de moradores em S. Bento da Vitória. O sr. António está quase nos oitenta anos, vem aqui desde criança, e segue o tratamento que viu fazer ao seu avô (década de 1930), do qual guarda ainda a “banheira”: "Com o meu avô vínhamos de carroça, trazia a banheira, quer vê-la [trata-se de meio bidão, com mais de um metro de largura, com pegas laterais para transporte]. "Enchemos com água até aqui e depois estamos meia hora cá dentro. Depois estamos mais de meia hora embrulhados até a água enxugar no corpo todo."
O grupo de Safara é composto por oito pessoas, comandados por uma avó matriarca. Também esta senhora de 70 anos começou a frequentar a Ferradura com os avós: "Comecei a vir aqui com os meus avós, tinha 12 anos. O meu avô veio para cá com uma doença qualquer, enrolado numa manta, estava muito mal. A minha avó morreu com aquelas doenças nas pernas, tinha umas dores que não sabiam de onde vinham, o reumático nas pernas, tolhiam-lhe os tendões que ele não era capaz de andar. Começaram-lhe a dizer «Vai para a Ferradura, Vai para a Ferradura». O meu pai teve uma doença nos intestinos e não podia trabalhar. Eu foi criada pelos meus avós da idade dos 4 anos. Até me casar, aos 2,2 estive com eles. De maneira que vim para aqui com 12 anos, este meu primo tinha 15. O meu avô veio num burrito e estivemos aqui a dar os nove banhos, ele veio a morrer com 90 e tantos."
Esta senhora natural de Safara e o seu grupo são vendedores nas feiras da península de Setúbal, onde residem. Durante vários anos não vieram à Ferradura, mandavam buscar bidões de água para banhos ao domicílio: "Vinha buscar a água, mas o efeito não é igual, levava para casa e tomava banho, mas nada disso é igual, o próprio ar aqui faz bem à gente. Cada vez que cá vinha levava quase 300 litros. Duma vez levava a água para o mínimo, que são 9 banhos. Banhava-me na minha terra, que é Safara. O meu banho dura entre 20 minutos a meia hora, quanto mais quentinha melhor, depois embrulho-me num lençol de flanela, depois vai ali para o quarto e tapo-me com um cobertor e transpira-se muito, sai aquele suor «pegajoso», são os vapores."
O sr. Cartaxo e a mulher formam outro grupo acampado. São naturais de Vila Verde de Ficalho mas residem em Alcochete. O sr. Cartaxo já foi convidado a um programa de televisão sobre estes Banhos da Ferradura: "Aqui há dois anos o patrão fez com que eu fosse à SIC, levou a minha direcção e doutro senhor que estava ali, e eu fui à SIC. Fui à Júlia Pinheiro, quando ela estava na SIC, era o programa da manhã. Então fui entrevistado. Levei uma bola de barro daqui da Ferradura, que tenho lá em casa. Depois por acaso até entreguei essa bola a uma senhora que me pediu."
O Sr. Cartaxo sofre de uma hérnia discal: "Eu já tive entrevado, era para ser operado em S. Lázaro, depois não foi, porque naquele tempo, há quase 30 anos, muitos ficavam entrevados com a hérnia discal. Eu depois falei com o doutor e ele disse-me «olhe, em cada 100 um ou dois fica bom», então eu não quis ser operado. Depois tinha aqui estes banhos nossos. Em Ficalho não dão valor aos banhos, para já! Mas eu sou cá da terra e dou-lhe valor, porque deixei de ter mais dores e dou-me bem com isto."
O seu tratamento consiste num banho matinal, chegando a fazer 25 na sua temporada de um mês, com o mesmo método do grupo de Safara. Ele é o dinamizador dos Banhos da Ferradura. Chega nos primeiros dias de Agosto para “limpar a poça”. Tem uma amistosa relação com o proprietário da herdade: "Ele é doutor engenheiro, ele tem brio que as pessoas venham para aqui. Há dois anos fez com que eu fosse à SIC. Para o ano ele vai-me telefonar para vir para aqui uns 15 dias antes de Agosto para vir com uma máquina limpar isto. Perguntou-me se era melhor afundar o buraco, eu disse-lhe: «Repare doutor, a água não vem do fundo, vem dos lados, não vale a pena afundar». Então combinámos só limpar."
Todos os anos proprietários e aquistas fazem a sua “almoçarada” de cabrito. A noite passam-na nas tendas de uns e outros, jogando às cartas conversando e relembrando outros tempos com bailaricos. Um tempo em que aconteciam por aqui milagres:

"É verdade, têm acontecido aqui milagres. Se a gente contar a pessoa diz assim: «ah, pode não ser bem igual». Mas temos assistido a cada cena, que só a fé. Se uma pessoa não tiver fé, também não vale a pena. Aquele menino que veio de França, o pai era construtor, estava ali naquelas ramadas, e o menino tinha assim uma piscina como essa. Davam-lhe o banhito e o menino não se mexia, davam-lhe uma tigelita de sopa, de caldo verde, a mãe até nos chamava para ver, o menino com a colher na mão, não tinha energia nenhuma, tinham de lhe dar tudo à mão. Bem, o pai dizia: «Eu já corri tanta coisa, mal será que agora aqui.» Pois ao fim de cinco dias o menino foi andando desde da barraca dele até à minha. O pai acabou o mês de férias, pediu mais um mês ao patrão de França, deixou aqui a rulote, foi para Vale de Arga dormir para não estar aqui sozinho e fez outro mês de banhos ao menino." ("matriarca" da Safara)

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Alojamentos

Os aquistas acampam nas redondezas da nascente e transportam tudo, como a banheira ou bidão de 200 litros para os banhos, cama, fogão, e todos os apetrechos para uma estadia de 15 ou mais dias. O banho prepara-se de véspera bombeado a água, do buraco para grandes latas de 50 litros que serão aquecidas, a fogo directo, na madrugada do dia seguinte, para um banho ao nascer do sol.

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Recortes

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Bibliografia

Acciaiuoli 1947, Calado 1995, Machado 1946

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Dados gerais

Distrito
Beja

Concelho
Serpa

Freguesia
Vila Verde de Ficalho       

Povoação/Lugar
Herdade de Barros e Ferradura 

Localização
Na EN 385, na direcção Sobral da Adiça-Vila Verde de Ficalho, a cerca de 5 km do Sobral da Adiça e 3 km de Ficalho, há do lado direito, um portão assinalado como “Herdade do Pé da Serra” que dá entrada para um estradão que vai para a Herdade de Barros e Ferradura, a cerca de 2 km, tomando os caminhos principais pela direita.  

Província hidromineral
A / Bacia hidrográfica do Rio Guadiana      

Zona geológica
Ossa-Morena

Fundo geológico (factor geo.)
Dolomitos e mármores do complexo vulcano-sedimentar de Ficalho   

Dureza águas subterrâneas
300 a 500 CaCO3 mg/l

Concessionária

Proprietário da Herdade: Alfredo Lança Silva - residente em Beja, que franqueia a entrada aos aquistas.

Telefone
n.d.

Fax
n.d.

Morada
n.d.

E-mail / site

n.d.

 

 


O muro de protecção à nascente construído em 2004(foto LeonorAreal) 



Acampamento de aquista à sombra das azinheiras (foto LeonorAreal) 



Interior de tenda com o largo bidão para banhos



Preparando o banho matinal.
(foto LeonorAreal)