AVISO: A informação disponibilizada neste site tem como data de referência o ano 2002 e pode encontrar-se desactualizada.


[A Buvete de Caldelas (foto Leonor Areal)]

 

Época termal
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Indicações

Doenças gastrointestinais e dermatoses

Tratamentos/ caracterização de utentes

Director clínico: Dr.ª Idalina Russel. Corpo clínico: António Sarmento; José Manuel Machado; José Sampaio Duarte
 “É muito notável a frequência anual destas termas , sendo a sua população termal constituída em mais de 90% por doentes afectados do aparelho digestivo, muito particularmente do foro intestinal” (Almeida 1988)
Além da ingestão de água, da enteroclises e “gota a gota” (clister correndo gota a gota), tratamentos dedicados ao aparelho digestivos, conta com os seguintes tratamentos balneoterápicos: banhos de imersão com ou sem duche subaquático e hidromassagem, duche de jacto (escocês), duche circular, banho turco, duche de Vichy. No campo da fisioterapia há massagens gerais e parciais, aplicação de lamas, calor húmido, de parafango e parafina. Conta ainda com tratamentos hidroeléctricos de ondas curtas, infra-vermelhos, ultravioletas, alta frequência, microondas e ultrassons.
A estância fornece ainda programas de bem-estar termal e de beleza termal, com períodos que vão dos dois dias aos sete dias.
A sua frequência anual ronda os 4500 aquistas, na sua maioria com afecções do aparelho digestivo. Os frequentadores destas termas são oriundos de todo o país, por vezes com duas estadias por ano. Nos contactos que tivemos com os aquistas é marcante a fidelidade a Caldelas ao longo dos anos. “Há 38 anos que venho para cá” ou “ há 20 anos” foi uma informação repetida por todos: “Eu faço tratamento há 19 anos. Foi a melhor coisa que eu fiz na vida, senão era capaz de já não estar cá, vim para cá a morrer. É muito bom o descanso e o tratamento. Ao início quando vim para cá, nos três primeiros anos ainda fiz os clisteres, mas a partir do quarto ano o médico disse que já não precisava de fazê-los, felizmente nunca mais precisei de fazer clisteres.” (informante)

“Isto não é no primeiro ano que uma pessoa fica boa, começa a dar resultados ao fim de 3 anos, não custa nada, são 15 dias de descanso, depois durante o ano é preciso manter. Uma pessoa não pode estragar aquilo que fez, não pode deixar de vir, como esta senhora que esteve quatro anos sem vir e depois já não se aguentava em pé […]Mas mantenho-me bem todo o ano, já vou fazendo as minhas asneirinhas, dantes não podia fazer mesmo que quisesse um quarto de hora depois da refeição tinha de correr para a casa de banho, a colite húmida não perdoa.” (informante)

 

Instalações/ património construído e ambiental

“As águas medicinais brotam com abundância em diversos pontos num conjunto que corresponde ao caudal de mais 380.000 litros nas 24 horas : Bica de Fora, Bica do Barbosa, Poço do Reumatismo, Poço Fresco, Poço Carvalho e Elefancia” (Almeida 1988)
As águas minerais naturais de Caldelas são captadas em várias nascentes naturais e dois furos, com temperaturas que oscilam entre os 22 e 33ºC, sendo destinadas quer a uso interno, quer a uso externo, em banhos, duches e massagens” (folheto, s/data)
O balneário, construído em 1923, foi em 2004-2005 totalmente renovado. O placar que se encontrava junto do estaleiro de obras resumia assim a intervenção que se pretendia:
Remodelação e ampliação do Balneário das Termas de Caldelas
A remodelação do balneário termal de Caldelas, tem por objectivo melhorar as condições de tratamento dos aquistas e introduzir novos equipamentos que desenvolvam a vertente lúdica e de Bem Estar.
O novo Balneário incorpora todos os tratamentos no mesmo edifício, reorganizando os percursos internos dos diversos tratamentos, criando zonas distintas. Uma zona destinada exclusivamente do aparelho digestivo – Zona 1, e outra com os restantes tratamentos – Zona 2.
Na Zona 1 ficarão instalados as enteroclises, as altas frequências, os banhos de imersão e os banhos com duche subaquático.
Na Zona 2, onde a intervenção terá maior expressão, uma vez que este espaço virá a ser ampliado e remodelado de modo a comportar: 6 cabines de duche Vichy, banho turco, 2 duches de agulheta, 2 duches circulares, 4 banheiras de hidromassagem, 2 gabinetes de massagem multiuso, 4 gabinetes de aplicação de lamas, uma sala de repouso, uma piscina de água termal
O edifício tem a particularidade de ter uma ampla janela, para quem está na piscina desfrutar a arborização envolvente. A piscina terá equipada com 12 postos de hidromassagem, duas cascatas, permitirá vários tipos de utilização, da qual destacamos a hidroginástica.
Serão construídas instalações sanitárias públicas, na zona de buvete, em baixo da pala e ao lado do elevador de acesso à Fisioterapia e Secretaria.
As obras serão executadas de Novembro de 2004 a Maio de 2005, de maneira a não interferir no normal funcionamento da época termal de 2005."

Além das obras no balneário foi restaurada a buvete, obra de 1963 conservando o aspecto arquitectónico dessa época. O parque termal será também remodelado. Em 2005 encontravam-se já construída uma série de pequenas casas, destinadas a sistematizar a venda ambulante que actualmente se faz numa feira improvisada; numa segunda fase todo o espaço será ajardinado.

 

Natureza

Bicarbonatadas cálcicas e mistas, silicatadas, cloretadas, sulfatadas, litinadas, hipomineralisadas (0,90g a 1,1g), frias e hipotermais (22,2º a 32,1º) Radioactividade 2 e 2,14 mm. (Correia, 1922)  
Bicarbonata cálcica, fluro-bicarbonatada –34º (cit,Acc.52/I,182-3)
Sobre as análises destas águas à que remarcar uma notícia que nos dá Sarzedas (1907):  “O Exmo. Visconde de Semelhe, actual arrendatário das águas de Caldelas, no intuito de acentuar os créditos afamados desta estância, também mandou já proceder ao estudo da sua radioactividade no Laboratório de física geral do dr. Laborde, de Paris. Pela dificuldade na colheita dos gases emitidos das águas, e pela demora na chegada destes aquele laboratório, não se pode levar a cabo a análise perfeita: o que ainda assim não obstou que o dr. Laborde se pronunciasse a sua afirmação genérica de que as águas de cadelas manifestam um poder radioactivo bastante, para merecer um estudo atento”   (Remarque que a radioactividade, identificada em 1898 por Madame Curie, tornava-se um novo elemento identificador das características físico-químicas e consequentemente terapêuticas das águas minerais).        
Em 1945 o químico José Pereira Salgado fez novas análises ás águas da Bica Barbosa e
Bica de Fora, classificando-a como: hipossalinas, bicarbonatada, silicatada, cloretada, sulfatada e nitratada de cálcio, sódio, potássio, magnésio, ferro, lítio e manganês, contendo fluoreto, brometo, iodeto, borato, arseniato e tetanato, gálico, germânico, chumbo, estanho e cobre em percentagens mínimas. Tudo isto numa mineralização total que não ultrapassava 0,104414g (Bica Barbosa) e 0,144933g (Bica de Fora), concluído: “esta complexa composição em água fracamente mineralizada, constitui, como o afirmou o Sr. Prof. Lepierre, com o que concordo, tipo único e inconfundível entre as águas minerais portuguesas"

 

Alvará de concessão

1893 – Alvará de concessão, publicado no Diário do Governo, n.º 53, de 7 de Março
1908 – Decreto confirmando a concessão de Caldelas, Diário do Governo, n.º 213, de 22 de Setembro

1920 -– Contrato actual a favor da Empresa das Águas Minero-Medicinais de Caldelas, a 21 de Janeiro (IGM)

 

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Historial

A exploração romana destas águas é testemunhada por duas lápides consagradas às ninfas, actualmente expostas nos jardins do Grande Hotel da Bela Vista, encontradas quando da construção do primeiro balneário em 1803.
São referenciadas por Frei Cristóvão dos Reis em “Refleções experimentais metódico, botânicas, muito úteis e necessárias...” (1779), que as chama de Caldas do Rio Albito: “Há duas nascentes de água sulfurosa quentes, uma mais do que outra, de que se não servem os moradores, nem há notícias se serviram os passados, porque se não acha no sítio vestígio algum que o mostre.”
Tavares (1810) descreveu-as, chamando-lhes Caldas de Rendufe, “junto a ribeiro intitulado das Caldas ou rio Albito, antes da união do Rio Cávado com o Rio Homem; há duas nascentes de águas termais com quatro poços, que no ano de 1803 foram suficientemente bem construídos para aproveitar em copia bastante água destas duas origens. É um sítio despovoado, entre dois montes, dos quais o que fica a nascente confina com as grandes montanhas do Gerês fazendo parte da sua cordilheira.” (45)
Ainda são denominadas de Rendufe por Lourenço (1867), no seu “Catálogo para a Exposição Internacional de Paris de 1867- Renseignements sur les Eaux Minérales Portugaises”, onde o autor só fez uma breve referência à natureza das suas águas, nada acrescentando sobre a sua história e património.
A denominação Caldas de Rendufe deve-se à exploração que delas fizeram os vizinhos monges do Convento de Santo André de Rendufe. Fundado no século XI, este convento de obediência beneditina veio a ser quase extinto no século XV, por disputas entre o abade e o bispo de Braga, passando então a comenda só reintegrando a ordem na segunda metade do século XVIII. Para Domingos Rodrigues (1986), esta exploração conventual ter-se-á iniciado em 1780 e durou até à secularização dos bens da Igreja (1834), sendo esta administração que permitiu, segundo o autor, “a transição da fase de utilização primitiva e desorganizada para uma utilização disciplinada a caminho da exploração moderna”. Foi portanto obra dos monges a construção dos quatro poços descrita por Tavares (1810), o primeiro balneário construído no local de que subsiste um poço/ tanque do reumatismo, coberto posteriormente, mas que infelizmente pouco conservou do seu aspecto primitivo, servindo hoje de arrecadação de material.
Depois de 1834 a administração passou para as mãos do pároco de Caldelas, mas em 1845 a Câmara Municipal de Amares tomou conta da administração, passando então a denominar-se Caldas de Caldelas, sendo a exploração feita por arrendamento anual. Em 1888 a Câmara elabora um primeiro projecto de construção de um balneário que viria a ser concretizado por um contrato de arrendamento com a duração de 19 anos feito a favor de Bernardo Barbosa, visconde de Semelhe.
As águas foram analisadas por Joaquim Santos e Silva em 1890.Este químico, para além da descrição do seu processo analítico e dos resultados a que chegou, fez um resumo da história destas Caldas, atribuindo a construção do balneário de 1803 aos “Pares do concelho de Amarante”: “A tradição local diz que já no tempo dos romanos na Península estas águas eram conhecidas, e em apoio desta opinião citam duas inscrições latinas, lavradas em duas lápides colocadas na parede de suporte de um e outro lado das escadas que dão comunicação para os antigos quartéis […] Consta-nos que num relatório dirigido em 1844 ao governador Civil de Braga, João de Dias Faria da Costa e o cónego regrante da Ordem de S. João Evangelista, José António Vieira de Matos Gomes, interpretou as duas lápides […] Os pares do concelho de Amarante mandaram construir em 1803 quatro casas, cada uma com tanque ou piscina alimentados por duas nascentes e que são conhecidos com os nomes: Poço de Elefantíases, Poço do Carvalho, Poço Fresco e Poço do Reumático. Estas 4 casas, com a bica de água para beber, que fica perto do poço Carvalho, era tudo quanto ainda no ano passado havia feito para comunidade dos doentes, que se acomodavam nos maus quartéis das proximidades.
Actualmente, desde que a Câmara Municipal de Amares concedeu a exploração das águas ao Sr. Bernardo Barbosa, actual Visconde de Semelhe, trabalha-se activamente na construção de um edifício termal em boas condições, e já na passada época balnear esteve aberto o magnifico hotel mandado construir por sua excelência. Aproveitaram-se as águas de uma nascente que ficava no leito do rio e também se descobriu uma nova nascente de água para beber.
Lopes (1892) repete as informações de Santos e Silva, mas estranhamente só menciona três nascentes: “São três as nascentes: a do Poço Carvalho, que alimenta o banho deste nome e o da Elefantíase, e cujo caudal diário é de 126.720 litros, a do Poço do Reumatismo, dando 16.000 litros diários, e a bica Barbosa, com água menos mineralizada.”
No Relatório de Inspecção Médica de Sarzedas (1902), no que respeita às instalações hidroterapêuticas, o comentário foi o seguinte: “São muito deficientes para acalentarem a fama justificada das suas águas, e muito impróprias para servirem os doentes que pelo número e pela qualidade as procuram […] O primitivo estabelecimento balnear, o que foi edificado pelos monges ou frades de Rendufe, ainda lá existe, e a servir, infelizmente, a grande maioria dos frequentadores de Caldelas.
São chamados poços do Reumatismo, do Carvalho, Fresco e da Elefancia. E são, realmente, quatro verdadeiros poços, onde não há espaço além do ocupado pela respectiva piscina, nem entra luz que alegre aqueles antros , nem ar que ventile aquelas cavernas, em que a higiene fica muito de longe a espreitar pelas frinchas das portas as misérias que lá vão dentro”.
Quanto ao balneário construído pelo Visconde de Semelhe, o inspector médico fez o comentário: “Embora não esteja em condições livres de reparo, satisfaz no entanto às primeiras indicações de higiene […] Contém nove quartos em condições aceitáveis, cada uma banheira forrada de azulejo, e uma sala para duches frios: circular, de chuva e de agulheta […] Ali estão também instalados duches rectais e vaginais, pulverizações, colírios e gargarejos.
No estabelecimento não há estufa de desinfecção para as roupas, nem aparelhos de esterilização para as garrafas e rolhas, sendo de alguma importância a exportação de águas para uso interno.”
O Relatório de 1907 (Sarzedas 1907) tem o mesmo texto, mas no final acrescenta: “Em homenagem à verdade devo aqui acrescentar que todas estas deficiências notadas as julgo estranhas à boa vontade sempre revelada pelo Sr. Visconde de Semelhe, em bem dotar a estância de que é digno arrendatário, e cuja existência se deve aos muitíssimos esforços e dispêndios que ali tem consumido. Foi o Sr. Visconde o primeiro e único concessionário das águas de Caldelas, cumprindo todas as prescrições do Regulamento de 1894, pelo que obteve o seu Alvará, que depois lhe foi caçado, passando as águas, de novo, para a posse da Câmara de Amares, sem que esta edilidade houvesse diligenciado cumprir um só preceito legal, sequer.
Este acontecimento levou o Sr. Visconde de Semelhe a conservar-se como arrendatário, que já era, do manancial de Caldelas, para não ver de todo perdidas as somas consideráveis que na sua estância havia dispendido. Esse arrendamento havia sido feito pelo prazo de dezanove anos, que estão prestes a findar, em 1908, se não estou em erro.
Efectivamente, em 1908 deveria ter terminado o contrato de arrendamento feito ao visconde de Semelhe, regressando a exploração termal à administração da Câmara, mas tal não se passou, iniciando-se uma crise entre a Câmara e o arrendatário. Já no regime republicano essa polémica chegou à Câmara de Deputados; nos diários dessa assembleia ficaram registados os debates que nos ajudam a historiar esse período das Termas de Caldelas.
Em vários debates ao longo do ano de 1911 e início de 1912, o deputado Rodrigues Azevedo interpelou o hemiciclo sobre a legitimidade da exploração do Visconde de Semelhe, “então simplesmente Bernardo Barbosa”.
Na sua longa apresentação na sessão de 28 de Julho de 1911 defendia que “a Câmara de Amares é proprietária e usufrutuária desde tempos imemoriais, das águas thermais de Caldelas”. Em 1888, a Câmara, “como a concorrência aquelas águas aumentasse consideravelmente”, resolveu construir um novo balneário. No ano seguinte, já com as obras em curso, Bernardo Barbosa proponha à Câmara a adjudicação da exploração destas águas por um prazo de 19 anos, correndo por sua conta a conclusão das obras já iniciadas e que deveriam estar finalizadas em dois anos, sendo que “a importância destas obras constituía o preço da renda pelos dezanove anos”.
Em 1892, com a publicação da lei sobre a exploração de águas minerais, obrigavam-se os proprietários ou arrendatários destas explorações a pedir a nova concessão ao Ministério das Obras Públicas, conforme o “preceituado” no regulamento dessa lei, o que o Visconde de Semelhe fez a 3 de Dezembro de 1892.
O alvará de 2 de Março de 1893 foi assinado pelo Ministro das Obras Públicas, o regenerador Bernardino Machado –que posteriormente aderiu ao Partido Republicano – concedendo ao visconde de Semelhe uma licença de exploração “por tempo ilimitado”. Reclamando a Câmara Amares contra o alvará, logo o ministério reconheceu o seu erro, corrigindo-o por um novo alvará de 19 de Julho, onde o “tempo ilimitado” foi substituído pela frase “ em harmonia com o contrato de arrendamento”. “ O visconde porém não descansou”, e em 1908 conseguiu que o Governo publicasse um decreto a 18 de Setembro. Ora, este decreto “é, nem mais nem menos, que uma prorrogação, por tempo ilimitado, de um arrendamento que a Câmara fez em 1889, por dezanove anos e que só ela podia prorrogar.” Novamente a Câmara de Amares fez um protesto perante o rei e enviou duas “representações” ao governo que não foram atendidas. Com a implantação da república foi renovada a representação camarária ao ministério do Fomento, “recebendo como resposta, no dia 3 de Julho, o seguinte: «O Ministro, ouvida a Procuradoria-geral da República, com cujo parecer se conforma, julga improcedente a representação da Câmara»”.
A exposição do deputado prolonga-se em pormenores sobre a exploração feita pelo Visconde, que “intitula-se um benemérito por ter construído o hotel da Bela Vista, em Caldelas; ora, eu só poderei conformar-me com este epíteto quando for demonstrado ou estabelecido que a benemerência consiste em explorar a humanidade, em lhe extorquir, pelos serviços prestados, o mais que pode.”. Dá depois exemplos desta gestão: por cada banho cobrava “400 réis e mais”; pagava-se pelas águas para uso interno; os aquistas não hospedados no seu hotel pagavam “2$000 réis logo à entrada”; mesmo os pobres onde não constasse que eram indigentes nos atestados de pobreza eram obrigados a pagar.
Os factos ocorridos em 1910 imprimem no discurso do deputado um tom quase injurioso para o visconde. Segundo ele, o que se tinha passado resumia-se a uma fraude: o presidente da Câmara depois de recusar várias propostas do visconde “para que a Câmara ficasse calada”, foi chamado a Braga (deverá ser ao Governo Civil de Braga) onde lhe foi dito “você ou liquida isto, ou dissolve-se a câmara e nomeia-se uma comissão administrativa, que venderá as águas por qualquer preço”. A 13 de Agosto era convocada uma reunião extraordinária da câmara que se decidiu pela venda por “17 contos de reis. Eu, como vereador lavrei o meu protesto, chamando-lhes «ladrões», o que foi consignado na acta que eles assinaram […] Este contrato de venda foi feito à porta fechada assistindo unicamente os caciques de Teixeira de Sousa. […] As conveniências da política caciqueira impunham a venda das águas de Caldelas.”
O deputado terminou relembrando que quando o Directório da República quis realizar um comício em Caldelas “foi proibido por um filho do Visconde de Semelhe de realizar esse comício no parque das thermas, tendo de fazê-lo na estrada, sob um sol ardentíssimo” . Por fim foi aprovada a formação de uma comissão “para tratar deste assunto”.
A 12 de Dezembro de 1911 a Comissão nomeada para estudar fez a leitura do seu relatório na Assembleia, e nas suas conclusões considerava nulo o alvará de 2 de Março de 1893, que dava a licença de exploração “por tempo ilimitado”, e o decreto de 18 de Setembro de 1908 que concedia o arrendamento a tempo ilimitado. Ficava de fora deste parecer a venda “forçada” de 1910, pois este era do foro do poder judicial. Quanto ao debate que se seguiu, girou em volta de questões regimentares à assembleia, mas o próprio “arguido” estava a favor de que fosse esta câmara a “julgar” a questão. Pelo menos, isso deduz-se das palavras do deputado Álvaro de Castro: “O Sr. Visconde de Semelhe nunca disse que a Câmara não tinha competência para tratar do assunto, antes bem pelo contrário apresentou de várias formas a sua defesa como se esta Câmara fosse o único tribunal competente para o fazer”. Na decisão final foi acatado o parecer da Comissão, ou seja, foram anulados os alvarás de 3 de Março de 1893 e de 18 de Setembro de 1908. Consequências desta resolução não houve nenhumas, e ainda hoje as Termas de Caldelas fazem a sua exploração pela concessão desse alvará, renovado em 1920 em nome da Empresa de Águas Minero-Medicinais de Caldelas.
Curiosamente, nos Relatórios de Acciaiuoli das décadas de 1930 e 40 esse alvará de 1920 nunca é mencionado, sendo a referência sempre ao alvará de 1893, e o mesmo acontece no Anuário (1963).
Voltando ao ano de 1911, o visconde de Semelhe apresentou, nesse ano, um projecto de construção de novos balneários para aprovação da Direcção Geral de Minas. Viria a ser aprovado em 1914, um ano depois da morte do visconde (Rodrigues 1986). Os herdeiros do visconde, residentes no Brasil e em Portugal, desinteressados da exploração termal e com a obrigação da construção de um novo balneário, venderam as Termas de Caldelas a dois comerciantes de Lisboa, Bernardino Alves Correia e António Dias Coelho, que formaram em 1918 a Empresa das Águas Minero-Medicinais de Caldelas, reconhecida pelo alvará de transmissão de 1920.
Os novos proprietários iniciaram o processo de construção de um novo balneário, do plano do Visconde de Semelhe. Em 1921 as águas foram analisadas por Charles Lepierre em 1927, e no ano seguinte foi feito o estudo de novas captagens pelo Eng. Carlos Freire de Andrade [Andrade (1924, 1927)]: “Refere-se à geologia e diz que existe um filão com a direcção E. 12º N., com uma possança variável, mas não superior a 15 cm e que as nascentes são devidas à intercepção da depressão do rio Albito com este filão, ao longo do qual elas brotam.” (Acciaiuoli 1944, IV: 268). Em 1923 o novo balneário e a buvete abriram as suas portas
Nas décadas que foram objecto dos relatórios de Acciaiuoli , há que destacar o número de aquistas que, curiosamente, aumenta substancialmente no período da II Guerra Mundial. Se na década de 30 este valor era inferior a 2000, nos anos seguintes cresce continuamente: 1942 - 2145; 1943 - 2440; 1944 - 2922; 1945 - 3122; 1946 -3089. Num período em que a maioria das termas viam a sua frequência termal baixar, Caldelas conheceu um acréscimo de aquistas. Para a actual directora clínica, Dr.ª Idalina Russel, este aumento deve-se às atribuições terapêuticas destas águas: “Quanto ao aumento no período da guerra, não tenho nenhum conhecimento de grupos de refugiados que se tivesse instalado aqui, penso que será mais pela evidência terapêutica. Como são termas muito relacionadas com a parte intestinal, que tem uma relação muito estrita com o sistema nervoso, deverá ter sido uma época em que houve mais descompensações e por isso foram mais procuradas."
Outro dado curioso que nos dão os relatórios citados são os nomes dos directores clínicos: a Flores Loureiro sucede em 1940 Rodrigues Formigal, ambos médicos hidrologistas de renome nacional.
O Dr. Flores Loureiro foi também presidente da republicana Comissão de Iniciativa de Turismo. Em 1925, a Comissão inaugurava a primeira iluminação eléctrica do hotel, do balneário e da rua da Capela da Saúde, a partir de um gerador instalado no hotel, na década seguinte seria ligada a rede eléctrica concelhia. Já no período de Estado Novo, com a comissão transformada em Junta de Turismo, traça-se a avenida central e procedeu-se a sua arborização com tílias. Em 1940 é inaugurada a Avenida que tomou o nome do doador dos terrenos, conforme o monumento erigido no local: “Homenagem da Junta de Turismo a Afonso Manuel Azevedo – ao doador das Terras desta Avenida /1874-1931”
Em 1946 foi aprovada a taxa de inscrição para uso interno das águas (ingestão).
O Anuário (1963) nada acrescenta, mas à data de saída desta publicação era inaugurada a nova buvete, segundo o projecto do arquitecto Teixeira Lopes, de planta circular com cobertura esférica, de paredes envidraçadas, bem ao gosto da época mas que se pode considerar de estrutura em betão demasiado presente e pesado, em nada relacionado com as restantes construções.
No início da década de 1970 a Empresa de Águas de Caldelas é adquirida pelo pai dos actuais proprietários, de sobrenome Barbosa. “ Não temos qualquer relação familiar com o visconde de Semelhe, Bernardo Barbosa, foi uma coincidência de apelidos.” (conversa telefónica).
As décadas seguintes não foram compensadoras para as explorações termais, mas Cadelas, em grande parte devido à valência terapêutica das suas águas, conseguiu ultrapassar a crise do termalismo, e em 1982 o balneário foi renovado e ampliado.
Em 1998 o projecto europeu Thermaios dedicou-se ao estudo das termas do vale do Cávado (Gerez, Caldelas e Eirogo). A equipa, chefiada pelo galego Xavier Baibe, apresentou às respectivas autarquias e concessionários das águas propostas de renovação do conceito de termalismo. Assim, Eirogo era convertida numa quinta rural, no Gerez era dada prioridade à reconversão urbana. Para Caldelas o ordenamento do parque termal e a renovação do balneário tornavam-se fundamentais, além da mudança do próprio conceito de termalismo, como centro termo lúdico com recurso a tratamento de “uvoterapia” tratamento por ingestão de uvas e vinho que se tem provado eficiente na prevenção de Alzheimer.
As Termas de Caldelas estão actualmente empenhadas do desenvolvimento do termalismo tradicional, mas também nas formas de turismo de saúde, como resumi a directora clínica, Idalina Russel: “Os projectos actuais são de desenvolvimento termal com a vertente do “bem-estar”. Temos cada vez mais procura do “bem-estar”, temos cada vez mais a procura de pessoas que vem fazer a sua cura termal pela prevenção recorrendo ao bem-estar, vamos portanto dinamizar essas áreas.

 Houve aqui um teatro, havia uma vertente cultural bem mais interessante do que agora, concertos, bailes dançantes, chegou a haver um grupo de teatro amador dirigido pelo actor Homem Gonçalves. Houve realmente uma actividade cultural interessante que depois se perdeu completamente. Vamos pois tentar dinamizar esse sector, tentar relacionar o que é possível fazer, porque a câmara não tem neste momento possibilidade financeira para essa aposta. A administração está completamente interessada em dinamizar projectos nesta área. Temos mesmo de dar uma volta a isto…” (Entrevista, 2005)

 

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Alojamentos

Grande Hotel da Bela Vista: construído em 1890, ampliado na década de 1920 e recentemente remodelado, é a obra mais enigmática de Caldelas. Ergue-se na colina sobre o vale do ribeiro do Alvito, onde se localiza o balneário e a povoação de Caldelas. Os largos terraços e varandas abrem-se sobre a paisagem minhota. Com 68 quartos, dispõe de restaurante, bar, sala de jogos, e health club, jardins com piscina e court de ténis. Na Avenida Central existem ainda uma albergaria, várias pensões e residenciais.

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Recortes

JN – 9/7/04 (Gil Diniz) – Termas de Caldelas para a beleza e saúde – Empresa das águas planeia transformar termas num centro de bem-estar. Destaque: Administração das termas nas mãos dos frades. / JN – 9/7/00 (Fernando Seixas) Termas de Portugal – Do Belo verde Minho Brotam as águas de Caldelas – Cinco milhares de aquistas acorrem, por ano, à estância termal do Município de Amares, uma vila onde o repouso é absoluto. ( Destaque: Os frades de Rendufe tratavam enfermos) / JN- 20/5/98 (Isabel Vilhena) – Termas pedem cura no Vale do Cávado – Equipa da União Europeia acha-as ultrapassadas e diz que devem trocar-se soluções de “cosmética” por uma maior aposta turística (Destaque: Amares aposta forte na animação .... das termas de Caldelas) / JN– 29/8/97 (Jorge Vilas) – Curar o Stress em Caldelas – Um “Belo Horizonte” do Alto de S. Pedro.

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Bibliografia

Acciaiuoli: 1936; 1937; 1940; 1941; 1942; 1944; 1947;1948a;  1948b; 1949-50; 1953. Almeida 1988; Almeida 1892; Almeida1892-93; Almeida 1919; Amaro1955; Andrade 1924; Andrade 1927; Azevedo 1867; Ayuso 1946; Ayuso 1947; Azcona 1948; Baptista1874-79;B.M.B. 194 ?, Brandt 1881, Brito 1945; Calado1995; Cardoso 1891-93; Carvalho 1945; Castro 1894-95; Castro 1896; Castro 1897-99; Castro 1899; Chernovitz1878; Contreiras 1941; Contreiras 1951; Correia 1911; Correia 1922; Correia 1943; Costa 1819; Félix 1877; Formigal 1934; Gomes 1893;  Henriques 1998; Leal 1875-80 ; Lepierre 1927; Lepierre 1927; Lopes 1892; Loureiro: 1922; 1925; 1934. Lourenço 1867; Macieira 1911; Mangorrinha1923; Melo 1906; Miranda 1921; Morais 1943; Morais 1948; Mota Júnior1895; Narciso: 1920;1922ª, 1922b;1933ª; 1933b; 1934; 1948. Neiva1946-47, Novais 1901, Novais 1905; Oliveira 1968; Oliveira 1956; Ortigão 1875; Ramalhão 1914;Reis 1779; Rocha 1995; Rodrigues 1986; Rosa 1926; Santos 1883; Sarzedas 1907; Silva 1908, Silva 1810, Vale 1845, Aguas do Gerez e outras 1945, Águas Minerais do Continente e Ilha de S. Miguel 1940, Águas e Termas Portuguesas 1918, Anuário Médico-Hidrológico de Portugal 1963, Caldelas – Portugal (?), Estatutos / Empreza das Águas Minero-Medicinais de Caldelas 1938, Mapa Turístico do Concelho de Amares 1962, Le Portugal hydrologique et climatique 1930-42,  A questão de Caldellas 1911, "O Rádio nas Águas de Caldelas" 1905, Recordação das festas realizadas no Grande Hotel de Caldelas 1945 ,Relatório e contas do conselho de administração 1951,Relatório e contas do Conselho de Administração 1943,Relatório e contas do conselho de administração 1984,Relatório e contas do conselho de administração Descrição baseada em 1940 ,Relatório e contas do conselho de administração 1936,Representação da Câmara de Amares acerca de Caldelas 1909, Termas de Caldelas 1905, Termas de Caldelas 1941, As Thermas de Caldellas 191, Termas de Portugal 1947

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Dados gerais

Distrito
Braga

Concelho
Amares

Freguesia
Santiago de Caldelas       

Povoação/Lugar
Caldelas  

Localização
Num vale no início SO da cadeia do Gerês, à beira do rio Albito, afluente do Homem, entre Vila Verde e Amares, numa pequena povoação termal.  

Província hidromineral
B / Bacia hidrográfica do Rio Cávado       

Zona geológica
Maciço Hespérico – Zona Centro-Ibérica

Fundo geológico (factor geo.)
Rochas magmáticas (ácidas e intermediárias), granitóides e afins   

Dureza águas subterrâneas
0 a 50 mg/l CaCO3

Concessionária

Empresa das Águas Minero-Medicinais de Caldelas.

Telefone
253360160

Fax

253361136

Morada
4720-263 Caldelas

E-mail / site

mail@termasdecaldelas.com

www.termasdecaldelas.com

 


Em primeiro plano o balneário



Um dos antigosnascentes



A buvete
(foto Leonor Areal)


A nascente da Buvete
(foto Leonor Areal)


A Bica de Fora e a Bica do Barbosa no alpendre do balneário



Esplanada do Hotel(foto Leonor Areal)



Uma aras romana



Entrada do Hotel da Bela Vista (foto Leonor Areal)



Esplanada do hotel (foto Leonor Areal)